Para quem exatamente elas se mostram?
Anne Becker no Lingerie Day.Sou contra o excesso de psicologização e cientifização da sexualidade, como se tudo pudesse ser explicado por médicos, psiquiatras e sexólogos analisando fisiologia, hormônios e sinapses. Quando falamos de sexo, tem sempre um elemento não sexual na jogada. E, quando falamos de outras coisas, tem sempre um elemento de sexo. É assim que olho para a questão da exposição feminina voluntária na Internet.
Gosto dessa exposição, mas não sei o quanto disso é feito por liberdade e o quanto é feito porque as mulheres estão reféns de uma estrutura oculta. Não sei mesmo.
As mulheres (homens também, claro) são dependentes do olhar masculino para afirmar sua identidade. “Quem sou?” é inseparável de “Quem você vê quando olha pra mim?”. Como disse Sartre, o corpo só se faz corpo quando tocado por outro. A exibição do corpo é, nesse sentido, uma forma de ser olhada, reconhecida, de se sentir viva, de ter o próprio corpo, por mais estranho que isso pareça.
E pra quem elas se expõem? Para algum homem específico? Para a mídia? Não, elas se expõem para a Internet. Isso mesmo, pois a Internet é a garantia de que elas serão vistas por alguém. Serão vistas, é isso o que importa. Elas não precisam nem expor o nome ou o rosto. O gozo está no próprio ato de se mostrar e depois de se ver na tela com a certeza de que alguém as vê. É um processo interno.
Às vezes essa sensação de existir para um estranho é muito mais satisfatória do que a relação que ela construiu com as pessoas ao redor. Não é raro eu receber email de mulheres contando que não são mais desejadas nem vistas pelos maridos. E que desejam dar pra alguém que só veem de longe todo dia ou com quem trocam emails… Ou mulheres que correm atrás de homens que as ignoram completamente. A Internet, assim, faz o papel desse homem que as acolhe e contempla sem julgamentos. Às vezes uma webcam é mais macho que muito homem por aí.
“Eu também posso ser puta”
Há também as mulheres que pagam para surpreender os maridos com ensaios sensuais, entregando uma revista personalizada. É uma tentativa digna de capturar o olhar masculino que normalmente vai para outro lugar. Uma tentativa de dizer: “Eu, esposa, também posso ser puta, capa de revista, objeto do seu gozo”.“Foi uma das coisas mais maravilhosas e malucas que já fiz. [...] No momento das fotos, me senti uma celebridade e um turbilhão de sentimentos passou pela minha cabeça! Quando fui embora, fiquei o dia todo anestesiada, uma sensação inexplicável e com a autoestima lá em cima!
As fotos ficaram maravilhosas, quando as vi até chorei. As fotos trouxeram a ajuda que eu precisava para ver que sou linda e não preciso ter medo de nada! Amei tudo e todas, só tenho que agradecer por toda a felicidade que me proporcionaram!” (depoimento de uma das clientes da agência Nude)
Um outro fator interessante é que o toque masculino é cada vez mais restrito ao sexo. O cara chega cansado, o cara não sabe dançar, não vai fazer uma massagem, não vai levar pra jantar, sentar ao lado e ficar acariciando… Nada disso. As mulheres, sem saber, acabam depositando todas as esperanças no sexo. Não é por acaso que muitas vinculam tanto sexo a amor, paixão, envolvimento. Em muitas casos, é o único momento em que se sentirão amadas, tocadas, olhadas, desejadas pelos seus parceiros.
Essa vinculação de sexo à sensação de ser vista, tocada e amada se expande para além da cama e dos relacionamentos. De algum modo, se expor, tirar a roupa, se exibir causa uma satisfação pela imaginação de que, com o ato, ela está sendo mais admirada, valorizada, desejada, amada, enfim, por algum homem. Como o toque e o olhar do outro nos trazem à vida, estamos falando da própria sensação de existir. Não é pouco.
Mari Graciolli no Lingerie Day.
O paradoxo da liberdade sexual
A questão irônica nesse debate vem de pensarmos a exposição sexual, supostamente fruto de mais liberdade, sob o contexto de casos como o da minissaia na Uniban, sem falar de outros episódios de repressão ao desejo feminino. Curiosamente, na minha visão, moralismo e liberdade sexual andam juntos, de modo positivo e também negativo. Um alimenta o outro. Explico.Pelo lado positivo, a repressão, o sexo como tabu, o moralismo convencional, careta, da família tradicional conservadora, tudo isso só cria um ar de mistério e transgressão, ambiente essencial para a sexualidade, para o erotismo, o prazer, o desejo fluir. Se tudo fosse aceito, natural, normal, se nada fosse transgressor, que graça veríamos no sexo? Muitas das fantasias sexuais, aliás, envolvem atos errados, sujos, nojentos, dos quais a própria pessoa se arrepende um pouco depois, quando não mais movida por tanto desejo.
Pelo lado negativo (o problema, de fato), a repressão vem com preconceito, violência, agressão, ignorância, cegueira. A mulher que expressa seu desejo livre, que se mostra dona de sua sexualidade, é vista como puta. Um jeito que o homem inventou de reprimir, cortar, rebaixar, negar, como se dissesse: “Você não é dona do seu desejo; não, você é uma puta, eu posso comprar seu desejo”.
E como isso leva ao exibicionismo? Simples: a mulher (consciente ou não) entra no jogo, vira puta mesmo, pra valer, ou pra aceitar a imposição masculina ou para negá-la, numa tentativa de dialogar, lucidamente ou não, com sua própria necessidade de se sentir vista, admirada, desejada.
Melhor ser desejada como puta do que não ser. E nisso elas se parecem com a mulher careta que aceita qualquer coisa no sexo apenas para poder se sentir amada pelo marido, não exatamente por vontade própria. Vejo muito esse processo em mulheres mais adolescentes.
Ju Dacoregio no Lingerie Day.
Um novo tipo de assovio para as gostosas
Mulheres são seres mais perspicazes que homens. Elas sabem do poder de seu próprio corpo. Usam-no desde a adolescência, se enfeitam, se exibem. É claro que essa força é também fonte de fraqueza, quando são reféns da famosa ditadura da estética, mas muitas sabem usar sua beleza, sabem explorar sua sexualidade muito mais do que os homens.Talvez uma parte desse movimento seja apenas o resultado de cada vez mais mulheres entrando na Internet para fazer o que já faziam na rua, mas agora com mais abertura, anonimato, recursos tecnológicos, feedback, olhares de volta, comentários, assovios…
O comentário – em twitpics, flickrs, fotologs, twitcams, facebooks – é o novo assovio na rua: “Ei, gostosa!”. Mais fácil de andar, mais fácil de assoviar, mais fácil de ouvir.
Machismo de ambas as partes? Objetificação do corpo feminino? Sim, ainda somos todos machistas. Movimento totalmente negativo? Duvido. Penso que é mais um momento de experimentação coletiva. E ninguém sabe bem onde (ou quem) vai dar.
Belo texto.
ResponderExcluirBom as mulheres se exibem mais e mais eu acho po conta da midia ,por exemplo.Uma mulher que aparece com menos roupa é objeto de "flashes",objeto de desejo.
Visita meu blog por favor?
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Boa noite!
ResponderExcluirPrimeiramente parabéns pelo texto maravilhoso! E depois concordo completamente com a sua visão sobre o assunto, principalmente quando diz que não se deve enquadrar os desejos de uma mulher que gosta e sente prazer em se expor na internet, apenas por conta de estereótipos formados, análises bestas, etc.
Shitness Book
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